Campos de Morangos

Eu estava prestes a concordar com a proposta de Alexander quando ouvi a pergunta de Max. Só então aquilo havia caído em minha mente. Eu não tinha pensado naquilo. Olhei rapidamente para Max e depois voltei meus olhos para Alexander com a expressão séria. Mortais não passam pelo portão sem autorização... Murmurei. Você é um semideus?! E não me contou? Fiz uma longa pausa, pensativa. Ou contou?

Não sei exatamente porque, mas fiquei com uma leve vergonha quando Alexander disse: "Você também não havia me contado, De Lathus". Peguei-me pensando que tipo e que caminho de amizade estávamos tendo, já que ambos guardávamos segredos como esse. Bem, é claro que não é nada fácil de se contar, mas do mesmo modo. E então ouvi a pergunta de Max e seus comentários. Não sei porque, mas estavam me soando um tanto estranhos, um tanto... Como se quisesse interrogar ou pressionar. Fiquei levemente tensa, mas tentei relaxar. Deviam ser somente comentários e perguntas... É, somente isso.

Pensei em tudo o que Alexander e Max estavam dizendo. As informações vindo aos montes em minha mente até aquele ponto crucial que sempre me tocava. Minha memória. Isso era como um ponto que me atingia diretamente no local mais profundo de mim, e estranhamente liberava uma certa raiva enorme. Apertei meus lábios e franzi o cenho. Sim, tem a ver. Falei duramente. Suspirei. Eu me lembro de um garoto e um monstro que o obedecia, lembra que lhe contei isso? E então olhei para Alexander. Sabe de mais alguma coisa? Perguntei com o mesmo tom de voz.

Fiquei apenas pensando, relembrando do pouco que eu havia descoberto. Quando eu estava voltando para casa naquela noite com Alexander. Ele me deixou no portão e saiu, e depois, aquele garoto misterioso veio e atacou. A lembrança que tive de um monstro com um garoto loiro comandando-o para que me atacasse, e minha queda, batendo de cabeça na quina de uma mesa, o que abriu um corte que até hoje tenho a cicatriz, e o que causou minha perda de memória. A noite em que eu estava correndo entre as árvores da floresta, quando ouvi a voz de minha mãe mandando-me ir até o portão, e quando cheguei aqui, desmaiando em seguida. Isso tudo me deixou com a expressão ainda mais séria e dura. Diga. Falei.

Caminho vagarosamente pelo Acampamento por um longo espaço de tempo. Não sei exatamente para onde desejo ir, apenas que quero estar em algum lugar onde a Sibyl de anos atrás possa voltar a aparecer. Em algum lugar dentro de mim, eu ainda vejo toda a beleza existente no mundo, mesmo esta pequena fração de mim estar indo embora. Recentemente eu adotei a estranha rotina de acordar cerca de quatro ou cinco horas da manhã e passar todo o dia andando por aí, explorando o Acampamento. Às vezes eu parava para comer alguma coisa, às vezes não. Raramente eu ia até o refeitório e comia algo decente, mas já era um costume comer apenas o que encontrava no caminho, como algumas frutas que cresciam pelo Acampamento, mesmo a presença delas sendo ignorada pela maioria dos campista. E às vezes eu apenas ia aos Campos e comia alguns morangos, mesmo sendo proibido, e eu ter sido expulsa dali milhões de vezes. Com minha nova rotina, minhas costelas começaram a aparecer. Isso é escondido pela camiseta do Acampamento, porque ela é larga. Não sinto fome, e me forço a beber água, e até mesmo respirar parece ser um esforço de vez em quando. Eu jamais estive sozinha antes, não como nos ultimamente, e a solidão está me corroendo por dentro. Estou completamente partida por dentro, já que meu único amigo, Will, apenas vai sofrer mais ao meu lado, e então eu tenho que me manter longe dele, mesmo sabendo do sofrimento trazido por isso. De algum modo, eu estou piorando dia a dia, e preciso falar com alguém, antes que não haja mais algo para salvar dentro de mim, pois estou morrendo. Nunca fui acostumada com o sofrimento. Uma pequena risada surge em meus lábios com a lembrança de que meu sotaque britânico está voltando fortemente, sem contato com os americanos. Ainda caminhando desde cedo, tendo parado apenas no Arsenal em dado momento para testar algumas armas e me abastecido com água em algum lugar, sinto-me um pouco melhor ao ver os Campos, e vou até ela calmamente. Pego alguns morangos, jogando um na boca com esforço. Aceno para uma loura ali perto, me aproximando um pouco dela. Oi. Digo, assim que engulo o morango, e coloco outro na boca. Olho para a menina e tento esboçar um sorriso, para esconder pelo menos um pouco os ossos aparentes. Como estou de short e manga da camiseta curtos, é possível ver minhas pernas e braços finos. Mal olho para ela, apenas tentando ao máximo me manter alimentada.

Uma garota se aproximou enquanto devorava alguns morangos. Ela tinha olhos inexpressivos cujo brilho não demonstrava qualquer emoção. Era alta e magra, muito magra. A camiseta do Acampamento escondia os sinais da magreza, mas deixava os braços magricelos a mostra. Tive a sensação de que, se a abraçasse, iria quebrar alguns de seus ossos. Tentei não demonstrar minha surpresa ao vê-la naquele estado. A vida não era fácil para nenhum de nós. Se ela tinha problemas, não achei que deveria me meter. Porém não pude deixar de notar a relutância com que ela ingeria a fruta, como se estivesse obrigando-se a comer algo. Era como se para ela manter-se forte e alimentada fosse algo de extrema dificuldade. Olá. Disse com um sorriso. Fiz um sinal para que ela se sentasse. Sou Arya e você? Tentei afastar todos os pensamentos sobre a garota de minha mente, não deveria julgá-la por sua aparência. Se tivesse feito isso com Violet, por exemplo, teria errado feio. Por trás de toda aquela graciosidade e perfeição, existia uma menina que tentava ser autossuficiente mas que não era ela de verdade. E comigo também não era diferente. Eu era só aparência. Por dentro tudo estava desmoronando. A cada sorriso que exibia a um novo amigo uma lágrima se formava dentro de mim, inundando-me com uma tristeza jamais vista. O fato de sorrir depois de ter abandonado minha família à própria sorte, desarmados e sem saber ao certo o que estava acontecendo me corroía. Tinha a impressão de que com essa garota as coisas não seriam muito diferentes. Ela era mais do que só uma garota magra.

Esboço um sorriso ao olhar para ela. Sou Sibyl. Tento ignorar seus olhos em meus ossos aparentes enquanto engulo um morango, mas logo me irrito. É, eu sei, estou magra. Resmungo, cheirando outro morango. Só não estou me sentindo completamente bem. Isso era óbvio desde o começo. Mesmo assim, eu ressalto, talvez para quebrar o silêncio começando a se formar. E você, apesar de parecer saudável, não está muito melhor do que eu. Estou certa? A leve irritação traz de volta um sotaque britânico ainda mais pesado, e isso me faz franzir um pouco as sobrancelhas. Mantenho-me quieta, cheirando morangos e comendo-os. Com as mãos vazias, começo a brincar com o colar em meu pescoço. Will me dera há tempos. Eu o carregava comigo todos os dias, e chegava a dormir com ele.

Assim que percebe-me fitando seus braços e pernas magricelas, a garota assume a magreza porém de modo até um pouco grosseiro. Tentei ignorar aquilo e apenas olhei para frente. Assim, um silêncio chato instalou-se entre nós. Por fim, Sibyl fez seu cometária. Droga, estava aparentando mais do que devia. Tentei disfarçar, estampando um sorriso em meu rosto. Depois de uns segundos, percebi que aquilo não funcionaria e decidi me abrir com ela. Eu não aguentava mais aquilo entalado em minha garganta. Você também não estaria bem se tivesse abandonado sua família à própria sorte, desarmada e enfrentando um minotauro. Olhei para os morangos por algum tempo, em completo silêncio. Desculpe. É só que... estou cansada. Cansada de aparentar ser feliz e alegre enquanto a culpa me corrói por dentro. É como se eu tivesse que aguentar o peso de toneladas sobre minha consciência. Eu não sei o que aconteceu com meu pai, da ultima vez que o vi estava com as costelas quebradas. E enquanto ele gemia de dor eu corria, como um animal indefeso e estupido! Gritei a ultima parte, socando o chão. Algumas lágrimas desceram por meu rosto e vi a expressão de Sibyl. Senti-me culpada por amedrontá-la. Me desculpe Sibyl, eu só precisava desabafar. Coloquei uma mecha de meu cabelo loiro atrás da orelha e sorri para ela. Em completa contradição. Sou filha de Niké, e você? Perguntei por fim, tentando aparentar normalidade.