Praia dos Fogos

Eu não conseguia acreditar no que ela havia feito. Fiquei boquiaberto e completamente surpreso, as sobrancelhas arqueadas. Não lembro de ter tirado as mãos do bolso do casaco, mas quando me dei conta elas estavam ao lado do meu corpo. Tentei entender tudo aquilo. Anne era filha de Quione, não de Éros, e sei que sou um idiota tremendo, mas a primeira coisa em que pensei foi que não havia motivos reais para o modo como eu agia perto dela, nenhum além dos meus próprios sentimentos. Merda. Tentei afastar aquele pensamento e me focar em coisas mais importantes, torcendo para que ela não tivesse notado minha expressão. Ignorando qualquer pensamento anterior - principalmente os sobre me afastar dela - acabei com a distância entre nós, ficando no limite da praia, pouco além de onde a água batia. Olhei fixamente para ela. Havia um pequeno espaço onde suas pernas estavam, mas em volta, em um raio de trinta centímetros, era gelo puro. Fiz mensão de dizer algo, mas não consegui formular nada e soltei o ar, com um sorriso nervoso. Olhei-a nos olhos. Acho que é meio óbvio que estou sem palavras. Mas a verdade é que não consiguia parar de pensar que ela não era filha de Éros. Relembrei-me do dia em que a conheci, do modo como havia agido e como me senti aliviado ao poder culpar os poderes dela por causa da minha confusão. Mas agora eu sabia que nunca foi ela, ou o pai dela, sempre fui eu. Era uma droga saber isso, eu me sentia meio idiota, pra ser bem sincero. Parece que não tenho mais desculpa para o modo como venho agindo, não é? Não sei porque disse aquilo em voz alta e arrependi-me assim que terminei de falar. Pensei em dizer algo para consertar, mad ficaria ainda pior. Refleti sobre o que Anne havia dito à respeito de Quione. Algo naquilo me incomodava, mesmo sem eu saber porque. Talvez você não estivesse pronta. Disse, e senti seu olhar em mim. Antes que ela argumentasse, continuei. Digo, só recebemos aquilo que somos capazes de suportar. Pode ser que eu pense assim por causa da minha mãe, mas acho que talvez sua mãe tenha pensado que seria mais fácil pra você assim. Eu merecia o prêmio de Pior Levantador de Astral do ano, mas realmente acreditava naquilo. Odiava a influência que minha mãe tinha sobre o que eu pensava, mas aquela era uma das poucas coisas em que eu realmente acreditava. De qualquer forma, achei melhor calar a boca. Anne ainda estava na água e eu quis desesperadamente não morrer de hipotermia se fosse até lá. Mas talvez o risco valesse a pena. Tirei os sapatos, joguei-os para longe e dei alguns passos arrepiando-me assim que meus pés entraram em contato com a água congelante do mar. Meus pés ardiam pelo frio e sentia pequenas agulhadas na sola dos pés, mas manti-me firme, aproximando-me lentamente dela. Conforme minhas canelas ficavam submersas, meu corpo começou a tremer. Estava no limite quando cheguei até onde ela estava, ficando separado dela apenas pelo gelo em volta. Meus dentes batiam e eu não sentia muito bem os pés. Annee olhava surpresa. Pensei que talvez ela começasse a rir da idiotice que eu estava fazendo, mas não ligava. Era bom estar perto dela. Q-qualquer dú-dúvida que eu tivesse j-já se foi. Gaguejei, cruzando os braços. Só m-messsmo sendo fi-filha de Quione p-pra esstar bem c-com isso. Eu estava congelando, meu corpo tremia e a parte da perna que estava submersa já parecia meio roxa, mas eu estava sorrindo - ou pelo menos tentando - por Anne.