Chalé 3 - Poseidon

Respirei fundo ao me aproximar do Chalé 3. Já fazia cerca de dois meses que eu estivera a procura de Charllote, sem alguma pista. Vestia um casaco normal, que esquentava ao vento frio que soltava ali fora. Nessa viagem, eu apenas carregara minha espada e o caderno de Char, mais nada. Eu passara no meu Chalé antes para guardá-lo, talvez Alexis vê-lo não seria a melhor opção, e aproveitei para deixar a espada também. Assim, estava apenas com as mãos no bolso, antigo hábito. Bati na porta com relutância, provavelmente ela estaria dormindo. Eu sabia como era a verdadeira personalidade de Alexis. Como ela havia sido rebelde, e eu quase a odiara no começo. Eu me lembrava que ela havia ficado daquele jeito uma boa parte por um namorado que havia estragado sua vida. Eu só esperava não ter feito isso também.

Dei um sorriso sarcástico, acompanhando por sua voz. Ela era fria, a mesma que conheci há alguns anos atrás. Parecia tanto tempo... Franzi o cenho ao perceber que ela usava ainda o colar que eu dera aos 7 meses de namoro, mas tentei fazer com que isso não parecesse de tanta importância para mim. - Não... Esse filho de Dionísio não erra o Chalé, se está disposto a sair do seu próprio para encaminhar-se a outro. - Respondi a ela, tentando usar a mesma ironia, mas de uma forma menos carregada.

O tom de Alexis agora já parecia facadas frias em meu corpo, mas tentei não dar por parecer, permanecendo com o mesmo sorriso. - Acho que eu sempre fui, talvez algumas pessoas não tenham percebido. - Sorri, enfatizando nesse "algumas pessoas". Quando ouvi a sua segunda frase, parei um pouco, dando um tempo para pensar. A maneira que agíamos um contra o outro... não parecia certa. Era estranha. Por quanto tempo continuaríamos assim? Esse jeito, tão frio, quase com desgosto um do outro? Respirei fundo, tirando o sorriso irônico da minha face, enquanto ficava sério. - Acho que você sabe por que, Schweitzer. - Apenas comentei, encarando seus olhos claros. Era a primeira vez que eu pronunciava seu sobrenome de maneira correta, não porque eu não sabia, mas antes eu errava apenas para irritá-la.

Um aperto surgiu em mim ao ouvi-la com aquele garoto. Pensei em xingá-la, descontar a raiva que sentia por ela falar com ele, mas sabia que eu não tinha a razão. Alexis mudara. Era outra pessoa agora, por causa de mim. Ela bebia. O aperto piorou ao saber o que eu havia feito a ela. Quando ela voltou a olhar para mim, suspirei, e comecei: - Posso te contar uma história? Era uma vez um garoto. Sei que é meio clichê começar com era uma vez. Mas não sei outra maneira de começar isso. Esse garoto tinha uma vida difícil. Ele nasceu em um orfanato, desconhecendo pai e mãe, embora nunca tenha contado isso a ninguém. Mesmo com tudo isso, ele continuava sendo um exemplo de diversão ao redor. Organizava festas escondidas junto com os mais velhos. Era idolatrado pelos mais novos. Esse garoto tentava esquecer que fora abandonado, embora nunca tenha precisado de pai ou de mãe. Até que um dia ele encontrou um Acampamento estranho, após uma de suas festas ser estragada por alguma criatura estranha. Ele descobriu que era um semideus. Isso era estranho para ele, mas ele se acostumou com a ideia. Conheceu uma garota, linda, ele havia de admitir, e por um tempo ficou preocupado com ela, pois ela desapareceu logo depois. Ele virava dias a sua procura em uma Floresta que cercava o Acampamento, agüentava até alguns piores campistas enquanto a procurava. Quando ela finalmente voltou, eles ficaram um tempo juntos. O garoto nunca havia se apaixonado, e ele estava certo que havia. Mas tudo aquilo se despedaçou para ele em apenas outro dia. Pela própria garota, ele ficou sabendo que ela o havia traído, ficado com um garoto que considerava mais bonito. Isso destruiu o garoto. Ele não soube o que fazer, tentou evitar todos, a garota, mas ela era conhecida no Acampamento. Logo a história se espalhou, o que menos queria que acontecesse. Por um tempo, ele ficou muito fechado. Seu amor se transformou em raiva e ódio da garota, que pelo que sabia, namorava com quase todos. Nesse meio tempo, talvez um pouco antes, ele conheceu uma outra garota. Diferente, era ela. Claro que não chegava a ser tão bonita quanto a antiga garota, filha da deusa do amor, mas a beleza da segunda garota tinha seu próprio charme. Não apenas seus olhos claros, sua boca fina e cabelos castanhos se destacavam, mas sua personalidade era diferente. Isso lhe trazia uma beleza a mais, muito mais natural do que a outra. Mais fantástica. Ele logo descobriu que ela também era muito diferente na atitude. Diariamente, ela o irritava, contrariava, xingava, e os dois praticamente só faltavam sair na luta. Essa garota tinha alguns problemas. Ela se encontrava triste e arrasada por diversos motivos que o garoto, naquela época, ainda não sabia. Ela tentou fugir daquele Acampamento, roubou a espada dele e quase o nocauteou com a própria quando ele tentou impedi-la. Mas ele conseguiu. Duas vezes. Quando ele soube da traição, ele vagava sozinho pelo Acampamento, a noite. Certa vez, a encontrou sentada em um canto, com aquela beleza e bondade, que ele sabia que havia ali dentro, prejudicados pela tristeza. Ele se aproximou, sentou, e ficaram quietos por um tempo. Até que os dois desabafaram o que lhes entristecia. E era o mesmo motivo. Naquela noite, eles apenas se abraçaram, silenciosamente, um consolo mútuo que lhes preenchiam. O mesmo motivo pelo qual eles entristeceram, os uniu: o amor. Esse garoto, que pensara ter se apaixonado pela outra, estava enganado. Era por essa garota que realmente estava apaixonado. Eles viraram amigos, depois melhores amigos. Conversavam por várias horas, treinavam, riam, xingavam um a outro. Até que um dia, na praia, a garota lhe contou de quem era filha. Os dois nadavam na água, e ela estava tão linda, em meio as águas, que ele não resistiu, e a beijou ali mesmo. No começo, a garota ficou receosa por o garoto estar com ela apenas por tristeza a antiga namorada, ou apenas para causa ciúmes na mesma. Ela já havia sofrido de amor. Havia motivos para isso. Mas acabou descobrindo que não, que o amor dos dois era realmente recíproco. O melhor momento que eles compartilhavam era sempre a noite: ou na praia – tanto na água quanto na areia, ou nos campos, geralmente olhando as estrelas acima. Eles não eram apenas namorados, continuavam sendo amigos. E, mesmo que isso nunca havia sido comentado, os dois prometeram não fazer o outro sofrer. Porque já haviam passado por isso, e sabiam qual era o sentimento. Mas a antiga namorada do garoto ainda o atormentava, e isso o fazia se afastar de garotas como aquelas. Até que, certo dia, ele conheceu uma outra garota, também filha do amor. Eles viraram amigos rapidamente, tanto como ela o defendia da antiga namorada. Virava-se contra a própria irmã. No começo, ele aceitava apenas como amizade. Ela lembrava sua namorada, como no começo: os dois faziam brincadeiras um com o outro, se xingavam, irritavam-se. Até que um dia, o garoto acabou beijando-a. Isso foi um erro. Tanto ele se sentiu horrível, pela namorada, como ela, não esperava aquela atitude dele. Ela não estava pronta para gostar de alguém naquele momento. O garoto, que sabia que havia magoado sua namorada, ficou com um sentimento de culpa horrível, e explicou-se na primeira chance que teve. Felizmente, eles voltaram juntos, mais unidos que antes, e o garoto combinou com a outra garota apenas amizade. Mas ele sabia que não era assim. Estava dividido. Ele sentia algum sentimento pela outra. E por um tempo, deixou isso escondido. Essa garota percebia isso, e foi se afastando aos poucos dele, sabendo que aquilo só traria complicações. Mas, certa vez, o garoto encontrou sua namorada com outro, e tirou conclusões precárias. Ficou irritado, e mal percebeu que era isso que andara fazendo com a mesma. Por um tempo, ignorou-a, mas logo ela explicou, se desculpou, e ele não fez nada que não fosse perdoá-la. Devia isso a ela. Mais uma vez, estavam mais juntos do que antes. Completaram sete meses juntos. O garoto lhe deu um lindo colar com uma música que consideraram só deles, e ela, uma camisa que ele guardava até hoje. Naquele dia, ele teve a melhor noite de sua vida. Porém, alguma coisa havia que complicar. A garota, filha do amor, apareceu depois de muito tempo, novamente, alegando que precisava conversar com ele. O garoto, sentindo saudades da mesma, e ainda exigindo explicações do seu sumiço, concordou, e a encontrou no horário marcado. Mas ela não estava lá, apenas seu caderno. E ela ficou desaparecida, por muito tempo. Ele ficou desesperado. Não queria perder alguém, não de novo, como sempre acontecia. Ele queria ela perto, mesmo que fosse um sentimento egoísta. Ele errou nisso. Sua namorada, percebendo a tristeza, ajudou a procurá-la. Mas ele acabou falhando em uma missão, matando uma garota campista que não havia nada a ver com aquilo. Ele se sentia cada vez pior. Ele não deixaria mais alguém morrer, e continuou atrás da garota. Sua namorada, temerosa em perdê-lo, tentou alertá-lo a não sair daquela maneira. Pediu para se acalmar, tentar pensar com maior sensatez, mas naquele momento, ele estava irritado. Ele iria procurá-la, não importava o que acontecesse. Ela ficou com raiva também, vendo que o garoto estava se esquecendo dela, e gritou isso a ele. Ele, em sua vez, gritou que ainda gostava da outra. E a abandonou ali, saindo do Acampamento por um bom tempo. Assim que ele virou as costas para ela, se sentiu horrível, mas sabia que não poderia voltar atrás. Uma parte, porque seu orgulho nunca deixaria. Então ele continuou procurando, seguindo as pistas no caderno. Ele sabia como havia magoado a garota. Quebrado a promessa unânime de nunca fazê-la sofrer. O amor deles era para ser algo bom. Depois de um tempo, ele se sentia tão horrível, afogado na culpa, e cansado de procurar a outra garota, que voltou ao Acampamento. Ele encontrou a antiga namora. Ela estava mudada. Linda, como sempre, talvez até mais. Mais madura. Diferente. Com outra pessoa agora, que talvez a fizesse se sentir melhor. Mas ainda era dele. E ele viera ali para se desculpar, tentar apenas pedir o perdão por fazê-la sofrer. Ele sabia que voltar com ela seria pedir demais, depois de tudo que fizera. Então, naquele momento, ele apenas contou-lhe a história da garota mais fantástica que já conhecera, e que estava a sua frente. Ele sabia que talvez ela nunca mais seria a mesma, mas ele pediu pelo menos sua amizade. Ou então o perdão. Porque aquilo o machucava, a maneira a qual ela a tratava. Tão fria. Gélida. Como facas perfurando toda a coisa horrível que ele era. Ele pediu perdão mais uma vez, e deixou que ela pensasse. Talvez, ele conseguisse sua amizade, talvez não. Mas ele apenas queria que ela soubesse que nunca desejá-la fazê-la sofrer, e ele estava pagando por isso. - E assim, seguindo a história, dei-lhe um beijo na bochecha, como um sinal de perdão, virei-me e saí, tentando conter uma lágrima maldita.

Coloquei as garrafas no chão, já pegando uma e abrindo.

Devíamos fazer isso mais vezes. Minha voz está estranha. Acho que fiquei bêbada rápido demais. Me sento na cama. Ergo a garrafa, como que propondo um brinde. Ao Alex e a Melody, por nos fornecerem garrafas de vinho por livre e espontâneo roubo! Bebo um gole, e, depois outro, ficando ainda mais bêbada. E começa a ficar confuso quando começo a cantarolar uma música qualquer.