Apartamento de Ian O'Shea

Saímos do Acampamento cedo naquela manhã.
Em menos de uma hora estávamos em Manhattan, e mais alguns minutos, no caminho do apartamento de Ian. Expliquei a Alexis o que eu queria fazer, e ela concordou, dizendo que iria resolver suas coisas. Assim, nos separamos, combinamos de nos encontrar no final da tarde em uma lanchonete específica.
Por algum motivo, Elizabeth me acompanhou. Não falei nada, mas não posso dizer que fiquei a mais animada com a sua presença. Eu apenas havia aceitado-a ontem e feito aquelas coisas por causa de estar bêbada, e tudo aquilo resultara em uma noite horrível para mim e Jack. A trégua era apenas para a missão, porque, mesmo que entendesse os motivos e coisas que ela passara, eu não havia perdoado. Acho que nunca conseguiria.
Eu sabia o caminho para o apartamento dele de cor, mesmo depois desses anos. Passar pelo Central Park, caminhar algumas quadras, passar pelo Hospital de Riley, a escola de nós três, e, por fim, chegar ao acampamento em um subúrbio não tão rico. Subimos os seis andares de escadas, uma vez que o apartamento não tinha elevador.
Neste momento, estou parada na frente da porta do seu apartamento, sem saber o que me impede de abri-la. Eu ainda guardava a minha cópia da chave, mas fico surpresa ao encontrar a chave dele no esconderijo da parede que era apenas nosso segredo. Quando ele colocara ali, saberia que seria a última vez que a veria? Quando fora exatamente esse momento, o qual partiu em busca dos semideuses? Para depois querer nos ajudar e tentar em vão conseguir minhas desculpas? Para trair sua mãe por causa de mim e Riley e acabar morto?
Elizabeth percebe minha hesitação e pergunta se está tudo bem. Confirmo com a cabeça e giro a chave na fechadura.
Está praticamente como me lembro. Pelo jeito, Ian não voltara mais tanto assim depois que eu parti para o Acampamento. Falando nisso, eu nunca soube o que ele pensou quando descobriu que eu era semideusa. Ele sempre soubera quem ele era, e me protegia disso, me protegia de seu mundo, pensando que eu fosse apenas uma mortal. Agora entendo seu olhar quando ele pensava em ter a minha vida. Quem gosta de ter seu destino decidido por outros?
Vou andando pela casa, vendo o sofá que deitava por tantas noites, passeando pelos dois únicos quartos e lembrando das vezes que cantava Safe and Sound para Riley. Dos bons e maus momentos que já tive com eles.
Esse lugar parece ser apenas um ponto distante da minha memória. Todos esses acontecimentos parecem ter acontecido em outra vida.
Tanta coisa mudou.
– Elizabeth, é verdade que ele falou com você alguns dias antes de morrer? O que ele disse? – Pergunto, quase em um tom de ordem. Eu preciso saber o que aconteceu antes de ele morrer. Quero dizer, mais detalhes. Sinto a falta dele.
Quando olho para ela, percebo que ela ainda está parada na porta, como se estivessem em dúvida se entrava ou não. A lembrança era minha, não dela.

Assim que ela abre a porta, hesito.

Não deveria ter vindo aqui. Não deveria estar aqui. Porque vim? Não sei. Alexis é mais próxima de mim do que ela. Deveria estar com minha amiga, e não com Bethany. Então ouço sua pergunta, sobre o que Ian dissera. Não sei se quero falar sobre isso. Mordo o lábio inferior, enquanto penso no que dizer. Ele disse que não estava do nosso lado, não mais. Que não iria te matar, que ia te proteger. E que assassinaria quem matara Riley. Volto a morder o lábio inferior, e olho para o chão. Fico mexendo a perna esquerda constantemente, nervosa. Estou no lugar errado, na hora errada, porque sei que isso só vai piorar a situação de Bethany. Ian morreu tentando protegê-la. Ela agora está no apartamento dele, com a garota que ele jurou matar. Por fim, não aguento mais ficar ali. Eu vou esperar aqui perto. Digo e me viro, saindo dali. Deixando-a sozinha com suas tristezas e lembranças. Era isso que eu deveria ter feito desde o começo.
Assim que me afasto, começo a pensar em tudo o que fiz. Tenho evitado tanto pensar nisso... Mas sempre volta. A culpa, a raiva. O desespero? Sim. Eu deixei minha família e meus amigos escaparem por entre meus dedos, quando deveria tê-los segurado. E agora, tudo o que eu quero saber é como cheguei a esse ponto. Como consegui perder meu irmão, conquistar o ódio de todos os que me amavam, deixar minha mãe de novo. Às vezes, eu acho que não tenho cérebro. Talvez seja uma certeza. E talvez seja verdade.

Apenas assenti quando ela disse que daria uma volta, e acho que me senti melhor sozinha. Fiquei apenas em silêncio, observando o apartamento. Permiti fechar os olhos e lembrar dos bons momentos que tive e só depois que isso acabou é que "ouvi melhor" o que Elizabeth dissera. Ele tentara me proteger. Ele soubera que Riley havia morrido, afinal. Mas não soubera quem fora a assassina, porque se não teria matado Elizabeth. Sinto-me ainda pior ao perceber que a última coisa que fiz a ele foi não acreditar em suas palavras. Chuto uma cadeira, que voa longe em direção a parede, e sinto lágrimas de raiva descendo. Algo em mim diz que não é melhor eu ficar aqui muito tempo. Só vai ser pior. Tenho que esquecê-lo. Esquecer os dois. Apenas recolho algumas coisas que quero guardar para mim, e outras importantes que vou precisar para frente. Quando enfim termino, paro de frente a porta. Não há mais nada daqui que eu quero lembrar. O resto está na minha mochila, mas eu preciso seguir em frente. É quando tomo a decisão. Pego um óleo da cozinha, felizmente ainda não vencido. Jogo pelo sofá, passando pelas cortinas, tapetes e até todo o apartamento estiver cheio. Então, risco um fósforo e vejo as chamas começarem a consumir tudo. De cara, já ligo para os bombeiros, para que ninguém acabe ferido. Mas, até eles chegarem, o apartamento vai estar destruído. Assim como minhas lembranças.

Bethany e eu, então, começamos a nos afastar do apartamento do filho de Eurínome.

Não comento nada sobre o apartamento em chamas atrás de nós. Nem ela. E, cada vez mais, ele fica distante. Não só por nossos passos, mas também porque nossas mentes estão cada uma em um lugar. A minha em Jonathan, meu irmão desaparecido, e Bethany... Em seus pensamentos. E, assim, nós vamos indo para a lanchonete onde combinamos de nos encontrar com Alexis.