Linha de Tiro com Arco e Flecha

The Little Flinger

Quando acordei hoje tive a sensação de que, se ficasse mais um segundo parada chorando a morte de Gunter, eu enlouqueceria e por isso decidi cessar naquela manhã; o que não queria dizer que eu não sofria mais - sim, apesar de quase meio ano, eu ainda chorava desesperadamente a morte de meu ex namorado -, mas significava que eu estava encontrando um modo de seguir minha vida sem ele, o que acredito eu, seria seu desejo. Desse modo, decido imediatamente voltar à rotina, tomando um café da manhã vegetariano e logo depois fazendo exercicíos em meu chalé. A tarde me encarrego de treinar minha nova aquisição de poder: minhas asas. Eu as descobri há um mês, mas, como estava embriagada pelo luto, acabei deixando minha incrível capacidade aérea de lado. Mas não, de hoje não passaria. Passo a tarde inteira tentando controlá-las o mínimo que seja, mas descubro que até um esquilo consegue voa mais do que eu. Até "tirar" minhas asas de dentro de seu esconderijo secreto em meu cotpo é algo complicado, tanto que demoro cerca de uma hora para descobrir que tudo depende do esforço mental (e, talvez, da boa ação de minha mãe que, penso eu, resolveu me ajudar depois de uma hora de preces identicas e irritantes): durante todo o tempo em que lutei para fazer com que saíssem, nada aconteceu, mas quando desisti de lutar e ordenei internamente para que me obedecessem e darem as caras do lado de fota, logo elas surgiram, imponentes, cor de creme e com uma penugem fodinha até. Enfim, o fato é que, quando o treino acabou já estava tarde e escuro. Andando a esmo tentando em vão encontrar alguém, eis que chego à linha de tiro e o vejo. Derek. Ele estava com seu arco, cravando suas flechas num pobre e infeliz alvo, tão entretido que só me notou (eu, a albina com asas nas costas - que por sinal eu ainda não havia aprendido a "guardar") quando o chamei, com um sorriso estampado em minha face cansada de não-passarinho que havia passado a tarde inteira aprendendo a voar. Enfim, era bom ter um amigo por perto.

The Little Flinger

Sorrio com sua brincadeira e esforço-me para ter um ar presunçoso em minha face. Desista Derek, eu sempre arrumo um jeito de vencer você. Digo séria, mas logo depois rio e o abraço. As asas se abriram mais, pude sentir. Assim que me afastei tentei obrigá-las à se recolherem mais, mas não consegui. Olho para Drek que faz sua piadinha e recebe um soco de resposta. Apenas para não perder o costume filho de Apolo. E aliás, sempre fui um anjo, sabe? Disse, rindo, reparando então no brilho que o próprio Derek emitia. É como e fosse uma aura, irrata no começo mas logo meus olhos se acostumam. O brilho emana de seu corpo e tem uma cor que varia do lavanda ao laranja, algo que transmite paz. Olho em transe para a luz bruxuleante e admiro-a enquanto está ali, pois parece diminuir pouco a pouco. Não quero que ela se acabe. Quero que perdure por anos e anos. Me aproximo de Derek para tentar tocá-la e tentar sentí-la, mas assim que meus dedos se aproximam ela desvia, como se fossemos água e óleo, um sem se misturar com o outro, fadados à separação por toda a eternidade. E então ela desaparece, me libertando do controle e me fazendo perceber que uma simples luz foi capaz de me deixar alucinada. Eu preciso de mais, preciso descobrir o que é isso. Derek, isso... como você pode... de onde isso vem?

The Little Flinger

A cada centímetro que me aproximo de Derek o brilho aumenta e titubeia ao meu redor. Estou maravilhada, em êxtase. Preciso de mais, portanto, me aproximo ainda mais dele, sem notar o quão próximos estávamos até ele acariciar meu rosto e então me beijar. Meus olhos se fecham, deixo-me ser conduzida por ele. Meus pensamentos são confusos, incertos, duvidosos. Eu estou beijando meu melhor amigo. Arregalo os olhos ao perceber isso e penso em me afastar, mas então eu vejo. A luz, ela está mais forte, me encobre totalmente como um capsula protetora, como se eu fosse algo que devesse ser protegido. Sinto minhas asas dilatarem-se, cada pluma livre em seu espaço. Percebo o brilho que encobre Derek, de uma maneira tão especial que eu sinceramente nunca poderei descrever. Lembro de Gunter, de que ele era meu namorado morto por quem eu deveria fazer luto, mas é uma lembrança vaga que logo se perde no meio das tantas que me mostram tudo o que vem acontecendo despercebidamente entre mim e Derek, todos os momentos e risos, as coisas que eu deixei passar por estar tão concentrada na morte que passou a fazer parte do meu dia a dia. Mas agora, nesse mísero segundo em que percebo tudo isso, sou incapaz de dizer não, de me afastar e brigar com ele. Não sinto necessidade disso, é como se eu quisesse em um ponto desconhecido de mim mesma - há muito tempo, aliás - receber aquele tipo de carinho. E vindo de Derek, as coisas se tornavam ainda mais corretas ao meu ver. Passo os braços ao redor de seu pescoço, ainda sendo levada. Nos afastamos depois de algum tempo - que não sou capaz de estimar - e fiquei de cabeça baixa, sem saber o que dizer ou fazer, mas sem sentir culpa nenhuma.

The Little Flinger

Tento lhe explicar o motivo do meu sumiço, mas sou interrompida por um beijo seu. Me deixo ser levada novamente, com as coisas que ele havia acabado de dizer ainda ressoando insistentemente em minha mente, cada palavra sendo repetida. Eu o beijo com mais intensidade desta vez, começando a tomar as rédeas daquilo. Sou eu quem estou no comando agora, Derek. Seguro o rosto dele com ambas as mãos e me separo de seus lábios com a resistência de Derek, que me olha aturdido. Eu quero te explicar, Derek. Eu passei dias escondida em meu chalé, chorando pela morte de Gunter. Eu fiquei semanas de luto por ele, eu sofri com aquilo, sofri muito.Foi difícil pra mim seguir em frente sabendo que meu namorado tinha morrido por mim, mas aí você chegou e cuidou de mim, e isso me assustou. Eu não sei porque, mas estava com receio de lhe encontrar e de ter que admitir a verdade e seguir em frente. Desculpe por ser fraca, Derek, desculpe por ter feito você esperar tanto, me desculpe por tudo. Digo, com lágrimas prestes a escorrerem, mas antes que elas escapem uno meus lábios aos dele novamente e o beijo desesperadamente, como se tudo dependesse daquilo. Seguro seu rosto e o acaricio, encosto nossas testas e então o olho nos olhos, com um súplica de perdão e ajuda. Ele se aproxima e me beija mais uma vez, e depois outra, e outra e mais uma. Quando o fôlego acaba nos separamos mais uma vez e então o abraço, enrolando meus braços em volta de seu pescoço. Eu prometo que vou ser mais forte dessa vez, Derek, não vou fugir de novo. Me desculpe. Estranhamente eu senti que naquele instante eu dizia aquilo tanto para Derek quanto para mim mesma, me desculpando pelas decisões que restringiram a meu próprio ser a liberdade.